sábado, 28 de março de 2015

SIMONE DE BEAUVOIR E O ABORTO


"No final de 1970, alguns membros do Movimento de Libertação das Mulheres entraram em contato comigo; queriam falar-me do novo projeto de lei referente ao aborto que seria apresentado brevemente na Assembleia; consideravam-no excessivamente tímido e queriam desencadear uma campanha em favor do aborto livre. Para mobilizar a opinião pública, propunham que mulheres, conhecidas e desconhecidas, declarassem que pessoalmente já tinham abortado. A ideia me pareceu boa. Vinte anos antes, protestara em Le Deuxième sexe contra a repressão do aborto e expusera as trágicas consequências daí decorrentes; era, portanto, lógico que assinasse o que se denominou o Manifesto das 343, publicado na primavera de 1971, em Le Nouvel Observateur. Não se tratava -- como alguns detratores fingiram acreditar -- de introduzir o aborto na França, nem sequer de encorajar as mulheres a abortarem, mas, considerando que o fazem maciçamente -- de oitocentos mil a um milhão de abortos por ano --, permitir que se submetam a essa operação nas melhores condições físicas e morais, o que é atualmente um privilégio de classe. É claro que os métodos anticoncepcionais são preferíveis. Mas, enquanto se espera que sejam conhecidos e amplamente empregados -- apenas 7% das francesas em idade de procriar recorrem a eles --, o aborto permanece a única solução para aquelas que não desejam um filho. O fato é que recorrem a ele, apesar das dificuldades, da humilhação, do risco. Criticou-se o manifesto, argumentando que só estava assinado por mulheres conhecidas; isso é falso; só havia um número reduzido delas; a maioria das signatárias compunha-se de secretárias, funcionárias, donas-de-casa."

(BEAUVOIR, Simone de. Balanço Final. Tradução de Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 481 e 482.)

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