quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DE FATO E DE DIREITO


Não sei se no resto do mundo é assim, mas no Brasil as coisas se dividem em duas categorias: de fato e de Direito. Porque a lei diz umas coisas mas na prática não é bem assim. A laicidade do Estado é um desses casos.
O que realmente mudou na vida dos brasileiros com a República? Os republicanos criaram a certidão de nascimento (antes quem registrava as crianças era a Igreja Católica, razão pela qual todo mundo tinha que batizar os filhos), a certidão de casamento (no Império, só existia o casamento realizado dentro dos templos católicos) e entregou os cemitérios para as prefeituras (muito conveniente para quem precisava sepultar um suicida, por exemplo: todos os mortos passaram a ter a mesma dignidade). E a União avisou à Igreja que ela só teria mais um ano para receber a côngrua (uma verba que o governo destinava à Igreja, pois os sacerdotes eram funcionários públicos), a fim de que ela ajustasse suas finanças de acordo com a nova realidade, preparando-se para o tempo das vacas magras.
Bem, tirando essas questões que afetavam ao povo em geral e aos cofres da Nação, de resto, o governo federal continuou agindo como se o Catolicismo fosse a religião oficial do Estado. Querem dois exemplos fáceis de conferir? Vão ao Palácio do Catete e verão em seu interior uma sala chamada de "capela", dedicada a atividades religiosas. Mas com uma decoração que só interessa aos católicos. Um judeu ou um batista não gostaria de fazer ali suas preces. Outro exemplo: junto ao Palácio Guanabara, em Laranjeiras, há uma pequena igreja católica, naquele terreno que pertence ao estado do Rio de Janeiro.
Agora, em que a Igreja Católica perde fiéis, essa prática de privilegiar uma religião em atos oficiais se desvia para agradar o crescente eleitorado evangélico. No município de Araruama, RJ, onde lecionei no ano de 2009, havia uma lei (será que ainda há?) que determinava que houvesse uma Bíblia em cada sala de aula. E em cada sala de aula lá estão uma espécie de altarzinho pregado à parede, que dá sustentação ao livro e, acima dele, um quadrinho com a cópia da lei. Quanto isso terá custado aos cofres públicos? Detalhe: não é uma Bíblia qualquer que você compra em qualquer livraria: é o texto da tradução de João Ferreira de Almeida (de domínio público, pois feito há 200 anos) mas a capa tem imagens da cidade de Araruama. Essas despesas beneficiaram a quem?
Pode-se responder que a atitude dos vereadores de Araruama não fere o artigo 19 da Constituição, por não estarem eles oficializando nenhuma igreja específica ou financiando uma igreja em particular, mas isso é tratar desigualmente cristãos, muçulmanos, budistas, hinduístas, mórmons etc. Por que a Bíblia? Por que não o Alcorão, o Livor de Mórmon, o Bagavad-Gita etc.? Então, para que haja igualdade, ou se retira a Bíblia ou se colocam todos esses e outros mais ao lado dela.
Essa história da Bíblia merece uma CPI. Tem algum leitor aí de Araruama?

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